sexta-feira, outubro 19

Queres um mate?


Recebi este texto há um tempo atrás em espanhol, foi escrito por um argentino o Juan Lalo Mir. Achei muito bonito e creio que reflete bem o que representa o chimarrão. Esta versão aí embaixo foi feita por um gaúcho e ficou muito boa, mas o original não tem comparação.


Queres um Mate?

O mate, ou chimarrão não é uma bebida.

Bueno, sim, pois é um líquido e entra pela boca, porém não é uma bebida. No Rio Grande do Sul e nos países cisplatinos, ninguém toma mate porque tem sede. É mais um costume, como coçar-se. O mate faz exatamente o contrário da televisão: te faz conversar se estás com alguém e te faz pensar quando estás solito.

O mate ou chimarrão é feito com a erva mate, a qual é encontrada principalmente no sul do Brasil e norte da Argentina.É uma bebida genuinamente nativa, sendo o mais antigo e tradicional dos hábitos gauchescos. É um legado dos índios Guaranis e esse costume foi fortalecido e expandido pelos espanhois e jesuítas.

Quando chega alguém na tua casa, a primeira frase é “buenas” e a segunda é: vamos matear? Isto se passa em todas as casas, seja de rico ou de pobre.Passa entre mulheres e homens sérios ou imaduros, velhos ou jovens. É a unica bebida compartilhada entre pais e filhos sem discussão e onde ninguém “enche a cara”. Chimangos ou maragatos, gremistas ou colorados cevam mate sem entreveros. No inverno ou no verão.

É a unica coisa em que nos parecemos vítimas e carrascos; bons e maus.

Quando tens um filho, começas a dar mate quando ele te pede. Se o dá morno com algum açúcar, se sentem grandes. E tu sentes um orgulho enorme quando um piazito teu começa a chupar o mate, parece que o coração te sai do corpo. Depois com os anos, eles elegem se o tomam amargo ou doce, muito quente ou tererê, com casca de laranja ou limão ou ainda com alguma planta medicinal misturada à erva.

Quando conheces alguém e não tens confiança, ao convida-lo para um mate perguntas:

-Doce ou amargo?

E se o outro responde:

-Como tu tomasÉ um bom sinal.

Nas casas do Rio Grande do Sul sempre há erva mate. A erva é a única que há sempre, com inflação, com fome, com militares, com democracia, com “mensalões”, ou com quaisquer de nossas pestes e maldições eternas. E se um dia não houver, um vizinho têm e te dá, pois a erva não se nega a ninguém.

O Rio Grande do Sul é um dos poucos lugares do mundo onde a transformação de uma criança para um homem ocorre num dia em particular. Esse dia não é o dia em começastes a fumar, ou usar calças, ou quando fizestes circuncisão, ou entraste para a universidade ou começou a viver longe dos pais. Começamos a ser grandes no dia que temos a necessidade de tomar, pela primeira vez, um mate solito. Não é casualidade. No dia que uma criança põe a chaleira no fogo e toma seu primeiro mate sem que haja nada em casa, nesse minuto é que descobre que tem alma. Ou está morto de medo, ou está morto de amor, ou algo: porém não é um dia qualquer.

Poucos são os que se recordam desse dia, mas em todos há uma revolução por dentro a partir desse dia.O simples mate é nada mais nada menos que uma demonstração de valores... É a solidariedade de bancar o mate lavado porque a charla é boa. A charla, não o mate.

É o respeito pelos tempos para falar e escutar, tu falas enquanto o outro toma, até que num momento dizes:

-Basta, troca a erva!.

É o companheirismo nesse momento.É a sensibilidade da água quase fervendo. É o carinho para perguntar:

-Está quente, não?.

É a modéstia de quem ceva o melhor mate. É a generosidade de servir até o final. É a hospitalidade do convite.É a justiça de um por um. É a obrigação de dizer obrigado ao menos uma vez ao dia. É a atitude ética, franca e leal de encontrar-se sem maiores pretensões, de compartilhar.

Te sentiste incluído?

Então te abanca e toma mais um mate, tchê!


A propósito, eu lembro de tomar chimarrão com meu pai nas manhãs de domingo vendo corrida de Fórmula 1, devia ter uns 6, 7 anos. Quando retomei o hábito (porque ninguém lá em casa tomava mais) lembro do dia que fiz uma mate sozinha e tomei, devia ter uns 16.